Bonecos de Santo Aleixo

 

Em 1981, o CENDREV iniciou o processo que levou à recuperação deste exemplar de teatro popular de bonecos do Alentejo, num processo conduzido pelo Mestre António Talhinhas que com eles trabalhou mais de quarenta anos.
Do trabalho desenvolvido então no Teatro Garcia de Resende com os bonecos, resultou naturalmente a constituição de uma “nova família” para assegurar a continuidade do trabalho que outras gerações de titeriteiros garantiram ao longo dos tempos.
Tratando-se de uma manifestação artística transmitida oralmente de geração em geração, foi particularmente importante o trabalho realizado com o poeta e mestre António Talhinhas, último titeriteiro tradicional que trabalhou com os Bonecos durante mais de quatro décadas, quer no processo de recolha e fixação de todos os textos, quer na aprendizagem da realização do espetáculo.
Com ele tudo se aprendeu, a manipulação e circulação dos bonecos, as características de cada personagem, a intervenção musical, assegurada ao vivo por uma guitarra portuguesa, a preparação do pês louro (resina de pinheiro) que garante os surpreendentes fogacheis, a feitura das pequenas velas dos anjos, a preparação das bombinhas artesanais e a utilização da candeia de azeite que garante a iluminação do retábulo onde o espetáculo acontece.

A relação construída com o Mestre e a sua família foi determinante para o processo de aprendizagem. Processo naturalmente fascinante porque permitiu fazer uma observação muito pormenorizada e rigorosa do trabalho do Mestre, que tudo guardava na sua infinita memória. O desafio não era fácil, tratava-se de demonstrar capacidade para fazer o espetáculo que até aí só ele sabia fazer e ao qual dedicou os melhores anos da sua vida.
Abrir mão dos bonecos e entregar todo o saber que guardava preciosamente a outra “família de bonecreiros” não era compreensivelmente uma coisa simples, daí a importância da relação de amizade e enorme respeito que com ele se foi criando. Esta relação contribuiu decisivamente para o tranquilizar quanto ao novo destino dos seus Bonecos.

particularmente importante o trabalho realizado com o poeta e mestre António Talhinhas, último titeriteiro tradicional que trabalhou com os Bonecos durante mais de quatro décadas

Os Bonecos de Santo Aleixo reencontraram naturalmente o seu novo espaço de intervenção artística, agora já não só no plano regional, mas também em todo o território nacional e até no estrangeiro, em muitas cidades onde participam em festivais internacionais de marionetas e, noutros casos, como embaixadores da cultura portuguesa. Já se apresentaram em Espanha, França, Itália, Grécia, Alemanha, Rússia, Polónia, Inglaterra, Irlanda, Holanda, Índia, China, Tailândia, México, Moçambique, Brasil e Macau.
Foi bastante gratificante observar as reações do Mestre à medida que foi sabendo do bom acolhimento que o público dava aos espetáculos realizados pela nova família, aos convites para apresentar os Bonecos um pouco por todo o país e em festivais no estrangeiro, à realização da Bienal Internacional de Marionetas de Évora – BIME, cuja 1ª edição acontecia no final de Maio de 1987, uma consequência evidente do trabalho já realizado com os seus bonecos.

Guardamos um objeto artístico de enorme valia e particular importância no panorama do teatro de marionetas em todo o mundo que tem inspirado muitos novos projetos artísticos em Portugal e em muitos outros lugares do mundo. Os Bonecos de Santo Aleixo têm sido matéria de estudo para muitos investigadores que sobre eles se têm debruçado em diversas publicações.

Guardamos um objeto artístico de enorme valia e particular importância no panorama do teatro de marionetas em todo o mundo que tem inspirado muitos novos projetos artísticos

A organização de um Seminário Internacional sobre os grandes temas da vida da marioneta, que iniciámos na edição de 1997 da BIME em parceria com o Centro de História de Arte da Universidade de Évora, tem-se traduzido num importante contributo para a reflexão que julgamos necessária sobre o mundo dos títeres, procurando articular as componentes da criação artística com a reflexão científica. As comunicações e debates dos seminários têm sido publicados na revista Adágio e em publicações editadas pela própria Universidade de Évora. A experiência acumulada ao longo destes anos, as viagens com os Bonecos um pouco por todo o mundo e o trabalho realizado a partir de uma cidade classificada pela UNESCO Património da Humanidade, têm constituído também elementos estruturantes para esta caminhada, em que continuamos profundamente envolvidos e cujo próximo passo gostávamos que fosse a criação, em Évora, de um centro, talvez europeu, da marioneta. Espaço onde queremos guardar todo o espólio que recebemos de Mestre Talhinhas mas também todo o material que foi possível reunir ao longo destes anos, um espaço devidamente preparado para poder apresentar outras marionetas, aberto a todos os tipos de público. Um novo polo cultural da cidade e da região.

Reunimos qualidades que dão a este projeto artístico uma dimensão profundamente singular no panorama do teatro de marionetas. Já vão longe os tempos em que no Alentejo o teatro dos títeres era uma das poucas diversões das gentes destes lugares, mas a verdade é que os bonecos não perderam o brilho e continuam a encantar o público na aldeia de Santo Aleixo que lhes deu o nome, onde a memória destas “figuras de pau” continua a alimentar conversas, mas também em muitos cantos do mundo onde a magia do espetáculo parece até fazer esquecer a barreira da própria língua.
As práticas artísticas continuadas e consequentes são absolutamente determinantes para o desenvolvimento cultural dos povos e, se essas práticas enquadrarem também matrizes da nossa própria identidade, os processos de trabalho em que nos envolvemos ganham, seguramente, sentidos redobrados uma vez que estamos a preservar a memória coletiva, ou seja, o nosso património cultural.

ATORES MANIPULADORES: Ana Meira, Isabel Bilou, José Russo, Victor Zambujo e Gil Salgueiro Nave, que garante também o acompanhamento musical.

 

Mestre Talhinhas, entrevistado no Lugar ao Sul, dia 1 de dezembro de 1992.
Programa apresentado por Rafael Correia em Santiago de Rio Moinhos, concelho de Borba.

"Memórias dos Bonecos de Santo Aleixo no Alentejo Central" curta-metragem produzida pelo CENDREV, realizado por Carolina Lecoq e ilustrações de Bernardo Bagulho. Ação desenvolvida no âmbito do Transforma – Programa para uma Cultura Inclusiva do Alentejo Central, na vertente Teatro, promovido pela CIMAC.

PUBLICAÇÕES CENDREV SOBRE OS BONECOS:

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